A prevenção de riscos profissionais e segurança e saúde dos trabalhadores no sector nuclear. Os acidentes nucleares e respectivos impactos. A necessidade de um plano de emergência
- Ferro De Oliveira, Christina Maria
- María Luisa Martín Hernández Zuzendaria
Defentsa unibertsitatea: Universidad de Salamanca
Fecha de defensa: 2015(e)ko abendua-(a)k 11
- Enrique Cabero Morán Presidentea
- Olga Fotinopoulou Basurko Idazkaria
- David Falcão Kidea
Mota: Tesia
Laburpena
As actividades que têm subjacente a utilização de radiações ionizantes não constituem temas familiares para a comunidade jurídica no seu geral, especialmente para a comunidade jurídica portuguesa. Este facto é comprovado pela manifesta escassez verificada em termos de investigação científico-legal no domínio da protecção radiológica. Embora exista, em Portugal, uma multiplicidade de diplomas legais referentes a esta temática, os mesmos são dotados de lacunas ou derrogam-se tacitamente como podemos verificar aquando a análise do ordenamento jurídico interno nem tão pouco possuímos actualmente infra-estruturas adequadas para esse propósito. De facto, mesmo em uma perspectiva internacional, em termos de diplomas legais, verifica-se uma escassez no âmbito da temática em apreço. Esta matéria surge regulada através de normas técnicas internacionais, comummente designadas como soft law.Em termos académicos existem escassas obras cientificas internacionais dedicadas exclusivamente à lei nuclear fazendo uma mera alusão breve à protecção radiológica, dedicando-se com maior ênfase à segurança das instalações nucleares. Não obstante, o certo é que existem diversos endereços electrónicos oficiais que tencionam elucidar esta temática. Sucede que tal não se verifica quando entramos na esfera puramente jurídica. A maior parte da investigação realizada surge relacionada com o campo da medicina e não com grande ênfase no campo jurídico relativo à protecção radiológica. Em Portugal, Miguel Sousa Ferro consolidou os diversos diplomas legais avulsos em um único “Código” encontrando-se, o mesmo, em algumas partes, actualmente desactualizado. Verifica-se um reduzido conhecimento do direito aplicável existindo, do ponto de vista do ordenamento jurídico interno português, uma multiplicidade de dúvidas quanto a este tema. Ao nível do Direito da União Europeia verificou-se uma inovação que configurou a feição de uma nova Directiva: a Directiva 2013/59/EURATOM, do Conselho, de 5 de dezembro de 2013. Será esta a pedra filosofal da presente tese. Tratar-se-á, porconseguinte e dentro da humildade que o tema merece, da primeira obra (livro, na acepção do termo) a nível nacional e internacional a endereçar esta matéria. O tema de protecção radiológica é um tema complexo e o objectivo da presente tese é o de elucidar os conceitos e os instrumentos legais aplicáveis no campo da energia nuclear enquanto fonte de riscos, fazendo uma referência breve à diversidade de normas técnicas, não vinculativas, existentes, traçando, no entanto, o caminho percorrido em termos puramente legislativos quanto à protecção radiológica. A Comunidade Europeia incentiva a investigação financiando bolsas de investigação para temas relacionados com a energia nuclear e seus impactos1. A investigação em termos jurídicos de protecção radiológica tem sido muito escassa e, por vezes, contraditória, justificando uma inovação nesse sentido. A recente Directiva n.º 2013/59/EURATOM, que terá de ser transposta até 2018, impõe, como veremos, essa mesma investigação. O recente acidente nuclear de Fukushima despertou a atenção mundial para esta temática e para a necessidade de prevenção dos riscos profissionais neste sector, sendo que, em termos jurídicos, do ponto de vista da União Europeia, ela já estava a ser regulada por diversas Directivas e encontrava-se em elaboração a Directiva supraindicada. A presente tese pretende elucidar não só a comunidade cientifico-forense sobre este tema como a população em geral, apreciando as vantagens e desvantagens que o recurso a este tipo de energia apresenta, esmiuçando mitos sobre os acidentes nucleares e seus impactos e analisando minuciosamente o seu percurso em termos legislativos até ao momento actual de um ponto de vista de protecção radiológica. Para alcançar este desiderato, a tese apresenta-se dividida em três capítulos: a energia nuclear enquanto fonte de riscos, o enquadramento normativo da protecção radiológica e as principais actuações e medidas de protecção contra os riscos radiológicos no sectornuclear. No primeiro capítulo analisa-se a energia nuclear enquanto fonte de riscos, abordando temas como a protecção dos trabalhadores, a protecção do ambiente e a protecção dos membros do público. Em matéria de protecção dos trabalhadores procura-se elucidar acomunidade científica e a população em geral, incluindo trabalhadores, sobre os riscos profissionais existentes no sector nuclear mormente os riscos físicos sendo que os mesmos podem ser classificados em riscos biológicos que englobam os riscos estocásticos e os riscos deterministas. O risco ocupacional mais grave proveniente da energia nuclear consiste na possibilidade de contrair um cancro quando submetido durante um largo período de tempo a doses reduzidas de radiação. Assim, os riscos estocásticos e os riscos deterministas também são elucidados enquanto riscos derivados de exposição às radiações ionizantes provenientes da energia nuclear. Em termos de protecção do ambiente alude-se, de forma minuciosa, aos benefícios que o recurso a este tipo de energia acarreta, apresentando-se conjuntamente com as energias renováveis, uma solução mais viável, mais limpa e mais amiga do ambiente. Também se aborda a problemática dos seus riscos, mormente ao nível dos resíduos radioactivos e do respectivo armazenamento ou reciclagem, apresentando-se propostas para a sua solução e colmatando dúvidas que se apresentem neste domínio e que enformam a feição de mitos. Termina-se o capítulo com uma abordagem aos riscos da energia nuclear para os membros do público, descrevendo-se os principais danos derivados dos acidentes nucleares mais graves. O segundo capítulo começa por enquadrar a lei nuclear e a protecção radiológica nos princípios conformadores, mormente o princípio da safety (que engloba o princípio da prevenção), da responsabilidade e da transparência. Torna-se fundamental que as actividades relacionadas com a exposição a radiações ionizantes estejam sujeitas a regimes que protejam os trabalhadores e que a lei nuclear estabeleça um enquadramento jurídico de forma a assegurar uma gestão segura de todas as fontes e tipos de radiação. Através da análise do regime jurídico aplicável identificam-se as inovações assim comoas lacunas existentes, deixando em aberto quatro questões imperativas: 1. Devem as obrigações gerais previstas nos principais instrumentos jurídicos ser mais precisas? 2. Qual foi a evolução jurídica legislativa em termos de protecção radiológica? 3. Existe alguma protecção concedida em matéria de protecção do ambiente e de membros do público? 4. O regime jurídico interno português é actual, obsoleto e/ou contraditório?5. Quais são as principais normas técnicas, não vinculativas, existentes? Em termos de enquadramento jurídico internacional alude-se à única Convenção existente sobre esta matéria, bem como à respectiva Recomendação: a Convenção n.º 115 da Organização Internacional de Trabalho (OIT) e a Recomendação n.º 114 também da OIT. Trata-se do primeiro instrumento jurídico internacional a endereçar esta matéria. De seguida, passa-se para a análise do ordenamento jurídico da União Europeia traçando a sua evolução histórica desde o Tratado EURATOM, a Directiva de 2 de fevereiro de 1959, do Conselho, de 10 de fevereiro de 1959, a revogação operada pela Directiva 80/836/EURATOM, do Conselho, de de 17 de setembro de 1980, pela Directiva 96/29/EURATOM, do Conselho, de 29 de junho de 1996 e pela Directiva 2013/59/EURATOM. Incumbe à Comunidade EURATOM, nos termos da alínea b) seu artigo 2.º, o dever de estabelecer normas de segurança destinadas à protecção sanitária da população e dos seus trabalhadores. Algumas provisões do Tratado fazem uma referência genérica às preocupações ambientais (artigos 34.º, 35.º, 36.º e 37.º). A tese versará sobre a comparação em termos jurídicos verificada ao longo do tempo sobre a protecção radiológica e demonstrará que existiram diferenças significativas entre a versão original (Directiva de 2 de fevereiro de 1959) e alguns dos diplomas revogadores (Directiva 80/836/EURATOM e Directiva 96/29/EURATOM). Asalterações alicerçam-se nos preceitos previstos na soft law, mormente o conhecimento científico e as recomendações da Comissão Internacional de Protecção Radiológica (CIPR). Em uma outra fase analisa-se a Directiva do Conselho 2013/59/EURATOM que revoga a Directiva anterior e que estabelece as novas normas de segurança de base para a protecção contra os riscos resultantes de exposição a radiações ionizantes. Trata-se da primeira Directiva a fazer uma referência expressa em termos de preocupações ambientais, na sequência da Publicação n.º 103 da CIPR. O ambiente surge aqui definido não apenas como uma forma de protecção do Homem mas também como forma de protecção dos habitats naturais. Trata-se de mais uma inovação. O que de extraordinário tem esta matéria prende-se com o facto de, em termos generalistas, o regime jurídico de protecção radiológica possuir um conteúdo amplo e interdisciplinar abrangendo matérias de Segurança e Saúde no Trabalho, Saúde Pública e Direito Ambiental. Assim, protege-se a saúde humana (incluindo a ocupacional) e o ambientecontra a exposição desnecessária às radiações ionizantes. Poder-se-á referir que se trata de um “ramo” de direito misto, uma vez que versa sobre interesses públicos e privados simultaneamente. A sua importância é inquestionável tanto numa perspectiva interna como internacional, como observaremos. A Directiva 2013/59/EURATOM revogou as Directivas 89/168/EURATOM, a Directiva 90/641/EURATOM, a Directiva 96/29/EURATOM, a Directiva 97/43/EURATOM e a Directiva 2003/122/EURATOM e consolidou-as em um único diploma. As Directivas revogadas consistiam em Directivas orientadas para o público, trabalhadores e pacientes. Obviamente, as especificidades atinentes ao estatuto da pessoa exposta a radiações ionizantes (trabalhadores, membros do público e pacientes) são preservadas por esta nova Directiva. A tese efectua uma descrição exaustiva das novas prescrições previstas na Directiva, mormente quanto ao objecto e âmbito de aplicação, limites de doses, ensino, formação e informação, exposições profissionais e exposição da população. Abrange-se, por conseguinte, a exposição ocupacional, a exposição de membros do público incluindo o ambiente e a exposição médica. O II Capítulo consiste também em uma análise do ordenamento jurídico interno português e espanhol fazendo-se, no caso português, uma especial referência ao regime instituído pelo Decreto-lei n.º 222/2008, de 17 de novembro. Em termos nucleares o ordenamento jurídico interno português apresenta-se caótico, caracterizado por um conjunto de diplomas legais avulsos que se contradizem ou derrogam tacitamente. É o caso do Decreto-lei enunciado que derroga normas (em termos de limites de doses, por exemplo) sem referir em que estado se encontram os diplomas legais anteriores. Por outro lado, também este Diploma é derrogado por outros Diplomas, como a Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro que consagra o regime jurídico de promoção da segurança e saúde no trabalho. Este Decreto-lei também surge complementado por outros Decretos, mormente o Decreto Regulamentar n.º 9/90, de 19 de abril, o Decreto-lei nº 165/2002, de 17 de julho, o Decreto-lei n.º 227/2008, de 25 de novembro, o Decreto –lei n.º 167/2002, de 18 de julho, entre outros. Enquadra-se devidamente a matéria em apreço, dissipando ambiguidades que a derrogação tácita de normas acarreta em matéria de protecção radiológica e abordando temas relacionados com o âmbito de aplicação, limites de dose, autorização, justificação e optimização, classificação dos trabalhadores, objectivos de protecção ambiental, monitorização dos locais de trabalho, zonas controladas e zonas vigiadas, sinalização, vigilância médica, direito à informaçãoformação e avaliação das doses recebidas pela população. De seguida analisa-se o regime jurídico espanhol previsto, principalmente, pelo Real Decreto n.º 783/2001, de 6 de julho. Temas como o objecto, âmbito de aplicação, justificação, optimização e limitação de doses para as práticas são abordados. O mesmo sucede com os princípios fundamentais de protecção operacional dos trabalhadores expostos, pessoas em formação e estudantes para a execução das práticas (princípios de protecção dos trabalhadores, prevenção da exposição mediante o estabelecimento e classificação de zonas, classificação dos trabalhadores expostos, informação e formação, serviços e unidades técnicas de protecção radiológica, vigilância, estimação das doses, superação dos limites de dose, vigilância sanitária, entre outros). O II Capítulo é concluído com uma análise breve das normas técnicas aplicáveis em protecção radiológica e protecção ocupacional, mormente: a Recomendação n.º 103 da CIPR; os padrões de segurança da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA): Protecção Radiológica e Segurança de Fontes de Radiação – N. GSR Parte 3; e, o Código de Práticas da Organização Internacional de Trabalho (OIT): Protecção Radiológica de Trabalhadores (Radiação Ionizante). O Capítulo III traduz-se em uma reflexão sobre as principais actuações e medidas de protecção contra os riscos radiológicos no sector nuclear. Enaltece-se o papel desempenhado pelo legislador, pelos empregadores e pelos trabalhadores. Inicia-se ocapítulo com uma descrição dos principais campos de actuação do legislador e das entidades políticas, em matéria de radioprotecção dos trabalhadores e em relação ao ordenamento jurídico português, baseada nas prescrições previstas na Directiva 2013/59/EURATOM, adaptadas ao Decreto-lei n.º 222/2008 e ao Real Decreto n.º 783/2001, de 6 de julho. De seguida enumeram-se as obrigações dos titulares das instalações ou entidades empregadoras em matéria de protecção radiológica atribuindo-se um especial relevo ao plano de emergência interno e ao seu conteúdo. Os planos de emergência internos deverão incluir a preparação para evacuação, abrigo e outras acções que visem proteger os trabalhadores, membros do público residentes nas periferias de uma instalação nuclear no caso de uma emergência radiológica. Devem ser elaborados por um perito qualificado e devem prever a identificação e a caracterização dos riscos, a avaliação das exposições potenciais correspondentes e as acções previstas e a atribuição de responsabilidades para fazer face a situações de emergência radiológica, para mitigar as suas consequências, para proteger o pessoal da instalação e para notificarprontamente a ocorrência às entidades competentes. Os detentores de licença são responsáveis pela implementação dos seus planos de emergência e são exigidos a estar preparados para adoptar qualquer acção necessária a uma resposta eficaz e efectiva. Por fim, enaltece-se a importância da informação, formação e participação dos trabalhadores no campo da protecção radiológica, enumerando os seus deveres, os principais temas de formação que devem ser abordados e a necessidade urgente de uma maior participação por parte dos trabalhadores e respectivos representantes. Em termos de metodologia a tese conhece a sua génese na comparação de Directivas relativas ao Direito da União Europeia enaltecendo as alterações em matéria de Protecção Radiológica, na análise de normas técnicas provenientes de organizações internacionais e em uma investigação com recurso a diversos artigos científicos internacionais. A sua importância prende-se com a necessidade de divulgar o tema tendo em consideração a actualidade do mesmo e o facto de não se ter conhecimento de existência de estudos jurídicos portugueses dedicados exclusivamente à matéria de protecção radiológica. Em Portugal, como referido, o conhecimento sobre a radioprotecção tem sido praticamente inexistente, não existindo investigação dedicada a este sector. Segue-se também uma investigação jurídica e científica baseada também naanálise do ordenamento jurídico português e espanhol. O artigo conhece, assim, a sua génese na comparação e compilação de diversos diplomas legais aplicáveis ao domínio de radiações ionizantes e Protecção Radiológica. Pretende-se, com esta abordagem, contribuir para a informação pública e ocupacional que estes temas merecem e para a mitigação de mitos que norteiam normalmente questões relacionadas com o sector nuclear, em uma perspectiva de prevenção de riscos profissionais.